Olho à minha volta… as almas passam por mim sem que me aperceba. Tento perceber para onde vão… tento entender porque sorriem… porque aceleram o passo. Uma alma sem ter para onde ir não precisa aumentar a cadência do seu andar, a natural magia de dar dois passos.
De repente algo me toca no braço. Desvio o olhar para tentar perceber de que se trata e vejo uma pequena alma, uma daquelas que me questionava há bem pouco tempo… O pequeno rapaz de cara suja, mãos esticadas e enrugadas do uso com pequenos cortes transformados em cicatrizes… pede-me algo para comer! Olho-o nos olhos e lamento-me. Lamento de não ter como fazer esta alma sorrir.
Na minha posse nada tinha que pudesse matar a fome do pequeno infeliz, mas a minha mente não sossegava…
Pedi ao Janício – era assim que o menino se chamava – que se sentasse na minha cadeira de jardim e me esperasse. Janício tinha 7 anos e a mãe deixava-o na rua durante o dia enquanto tentava ganhar a vida num beco menos próprio da cidade.
Acelerei o passo e dirigi-me à padaria mais próxima… Acelerar o passo? Algo que minutos antes não sabia porque o haveria de fazer…
Comprei pão e alguma mercearia e dirige-me apressadamente para o jardim com um sorriso no rosto. Esta alma estava a sorrir! Ironia do destino. Traçado? Talvez sim, talvez não… mas de uma coisa certa, fiz o que devia fazer!
Janício esperava-me! Não se mostrava ansioso. A sua espera iria ser compensada, ele sabia-o… mas já estava habituado a não elevar as expectativas, a não esperar muita coisa… a sentar-se na cadeira da vida sem poder baloiçar.
O menino reconheceu-me de imediato e sorriu… retribuí! Passei-lhe para a mão o que havia comprado e disse-lhe que era o que arranjei no momento. Janício não se mostrou importado com o conteúdo do saco, mas de uma coisa tinha a certeza. Tinha a certeza que naquele momento uma alma o ajudou a sorrir. Agradeceu tocando-me na mão e disse que ia procurar a irmã, de 6 anos, para dividir o que eu lhe havia dado. Não me conti e deixei cair uma lágrima… Janício sorriu e foi embora.
Voltei a sentar-me… com um sorriso na face!
Janício havia mudado o meu dia, mesmo sem se aperceber!
Mais uma vez sorri e naquele instante só queria uma coisa – que algo me tocasse no braço…